Não faz muito tempo discutimos aqui no site sobre as perdas catastróficas no investimento em ações. Mais de 40% das empresas que já estiveram no índice Russell 3000 sofreram perdas de 70% ou mais das quais nunca se recuperaram. Qualquer empresa, de qualquer setor, está sujeita a perdas catastróficas, mesmo empresas lucrativas e com baixo endividamento.
Pensando na diversificação máxima, comentei que o meu investimento ideal seria um VT equal-weighted e que por um fundo assim eu abriria mão de qualquer análise de balanço. A minha ideia ali foi pautada na lógica do Taleb de que o conhecimento não substitui a convexidade. Acontece que nos últimos dias resolvi maratonar o canal do Ben Felix (que cara fantástico!) e sinto que agora consigo descrever melhor o meu pensamento sobre o assunto e também que esse investimento talvez fosse uma furada, pelas razões que descreverei.
Antes de mais nada, quero deixar claro que vou defender a filosofia do site, embora com algumas observações, porque acredito que existem, sim, bons argumentos a nosso favor. Não gosto de defesas emocionais nem de deboches (e.g. etf vegano), em especial porque o uso dessas táticas parece evidenciar uma ausência de argumentos sérios, o que não é absolutamente o caso.
Eu sempre senti uma certa inocência lendo os comentários nos murais das empresas. Parece que só o usuário da Bastter.com sabe que WEGE e Microsoft são ótimos negócios. Mas será que empresa boa é um bom investimento, ou, melhor dizendo, um investimento que vai dar um bom retorno? Eu não tenho nenhuma dúvida de que comprar empresas boas ajuda do ponto de vista psicológico, de segurar quando o mercado desaba. Mas se o mercado é eficiente (e acredito que nesse ponto é), eu tenho minhas dúvidas se análises profundas vão ajudar a performance do investidor no longo prazo, principalmente se, em virtude delas, acabar montando uma carteira concentrada. Não lembro se é no roteiro do iniciante, mas tem uma imagem que roda pelo site com o macaco detalinho e a ideia é que a análise simples é superior à análise detida. É disso que estou falando.
Carteiras concentradas trazem uma chance pequena de riqueza extrema e uma chance grande de ruína financeira. Isso acontece porque o retorno mediano das ações é péssimo, mas o retorno médio é alto, ou seja, uma pequena quantidade de ações carrega a carteira nas costas. Isso é sabido e batido no site, mas eu me pergunto até que ponto os usuários internalizaram o sentido do que está sendo dito. Os moderadores do site já comentaram que, olhando a carteira de usuários que pediram análise, o que veem é basicamente concentração em alguns poucos nomes famosos: Apple, Microsoft, Nvidia, Coca-Cola etc.
Carteiras concentradas, então, apresentam uma dispersão de resultados extrema. Pode dar muito certo, e aí vão te chamar na televisão pra dar entrevista (o bilionário da bolsa!). Na maioria dos casos, porém, vai passar quarenta anos sentado numa cadeira de escritório olhando pra tela do computador pra depender de filho na velhice, porque o patrimônio não deu pra atender a necessidade de consumo quando não consegue mais trabalhar.
Nesse aspecto, portanto, estou com os bogleheads. Carteira concentrada é um péssimo negócio. O que passa por baixo do radar de muitos deles, no entanto, é que
o pequeno investidor pode montar uma carteira que funciona como um fundo de índice, só que melhor.
A doutrina original do John Bogle prega o investimento de longo prazo numa carteira diversificada de ações a baixo custo. O que os bogleheads escutam? Compre fundo de índice cap-weighted. Eu já passei bastante tempo no meio desses caras e gosto muito de muita coisa que eles dizem. Mas eu sempre senti uma certa arrowgansa neles. É como se comunicassem sem dizer: se você acha que pode bater o mercado, você se acha melhor do que os outros, mas não é; eu sei que não sou melhor do que ninguém, logo sou melhor do que você.
Dizem que os peixes não sabem que estão nadando em água. Eu penso nisso quando vejo o clássico VT/VOO and chill.
A filosofia boglehead se pauta na hipótese do mercado eficiente, isto é, que o mercado incorpora as informações existentes no preço dos ativos e que, portanto, não existem barganhas, está tudo precificado.
Disso concluem que desviar do mercado é prepotência e, que, portanto, um fundo cap-weighted é o investimento neutro. Neutro por quê? De onde veio isso?
Talvez a maior vantagem dessa ponderação é que dispensa rebalanceamento e, por isso, minimiza os custos de transação (you get what you don’t pay for). O fundo tem um milhão de NVDA a $ 100, a cotação subiu, agora tem um milhão de NVDA a $ 180. Não precisa fazer nada.
Os fundos de índice cap-weighted também são fáceis de recomendar e conseguem comportar uma quantidade imensa de dinheiro investida neles, porque são majoritariamente compostos de large caps e essas empresas, por motivos de liquidez, conseguem suportar aportes grandes. Alguém com muito dinheiro pra comprar uma small cap vai estourar o book de ofertas e, se bobear, compra a empresa inteira. Imagina o Warren Buffet tentando montar uma posição relevante (pra carteira dele) em empresas pequenas. Não dá, não consegue. Mas não somos o Warren Buffet e, ao contrário do que sugerem por aí, isso não é necessariamente ruim. Nós podemos fazer coisas que ele não pode.
Da forma como enxergo, essa alocação foi o que deu pra fazer. O que deu pra fazer virou o padrão. As pessoas adoram o que é padrão porque seguir o padrão elide o indivíduo de responsabilidade. No filme Sussurros do Coração, do estúdio Ghibli, a protagonista deixa os deveres de casa de lado pra escrever um romance. A mãe manda o pai brigar com ela, que ela tem que fazer o dever. O pai, então, diz à filha que ela não precisa fazer se não quiser, mas que, se trilhar o próprio caminho, não pode apontar o dedo pra ninguém se der errado.
Acho que o cerne da questão está aí. Não existe nada propriamente neutro nos fundos de índice cap-weighted. Eles eximem o investidor de sentir culpa quando as coisas vão mal. Pra maioria, isso é o mais importante. Pra mim, não.
Eu preciso entender por que devo fazer as coisas de um jeito e não de outro. Quando fiz uma mudança radical na minha dieta há muitos anos, as pessoas me perguntavam quem da minha família ou círculo de amigos fazia aquilo. Eu respondia que ninguém, porque de fato ninguém fazia. Por algum motivo a minha atenção se voltou àquele assunto. Eu estudei, pensei, experimentei e mudei. Simples assim.
E, sinceramente, não entendo por que devo ponderar os meus investimentos conforme o valor de mercado das empresas. Aliás, eu me pergunto se os investidores desses fundos se dão conta da proporção da coisa toda.
Hoje a Nvidia vale $ 4,3 trilhões. O Itaú vale $ 70 bilhões. A Nvidia é, portanto, 61x o tamanho do Itaú. Você compra um lote de ITUB3 a R$ 3.300. Pra manter a proporção, vai ter que comprar R$ 202.000 em NVDA.
Se alguém tiver um modelo de risco e retorno compreensível que justifique isso, peço que me apresente. Eu não conheço.
No âmbito micro, eu concordo com a hipótese do mercado eficiente. Tem muita gente esperta nesse meio que sabe muito mais do que eu. Não acredito que vou olhar um balanço e encontrar a oportunidade que ninguém mais viu. Exatamente por isso, escolho alocar ingenuamente, ou seja, em pesos iguais. Se não existem barganhas e está tudo precificado, tanto faz comprar essa ou aquela empresa.
No âmbito macro, porém, a hipótese do mercado eficiente recebeu muitas críticas porque não dava conta de explicar o retorno de algumas
categorias de ações, a princípio small caps e depois value stocks (baixo P/VP). Esses ativos apresentavam um retorno ajustado pelo risco (beta) maior do que o esperado, ou seja, estavam subprecificadas pelo mercado.
Como o mercado, por axioma, tinha que ser eficiente, e o retorno esperado proporcional ao risco, foram criando modelos que incorporavam essas e outras anomalias. O Ben Felix brinca:
they created the models to make the anomalies go away.
Aí disseram que, ao comprar small caps e value stocks, o investidor estava assumindo outros tipos de risco. Nesses casos a explicação “colou” porque, de fato, elas performam pior quando tudo vai mal (covariância com estados ruins do mundo), pra dar um exemplo.
O curioso é que tempos depois incorporaram ao modelo o fator profitability, que parece ter uma correlação grande com o fator qualidade (a filosofia do site, basicamente).
Se o retorno é proporcional ao risco, comprar empresas boas
deveria reduzir o retorno, mas não é isso que acontece. Vejam o RmW (robust profitability minus weak profitability):

Fonte:
https://pwlcapital.com/wp-content/uploads/2024/08/PWL-WP-Felix-Factor-Investing-with-ETFs_08-2019-Final.pdfO que a imagem está mostrando é que empresas com lucratividade robusta retornaram 2,84% por ano acima de empresas pouco lucrativas.
E aqui o comparativo de um índice large e mid caps padrão com o índice de qualidade:

Fonte:
https://www.msci.com/documents/10199/255599/msci-acwi-quality-index-usd-net.pdfDesde 2000, o índice com critérios de qualidade (
high return on equity, stable year-over-year earnings growth and low financial leverage) retornou 1,86% ao ano acima do índice neutro.
Desde que vi isso, fiquei meio cismado com a noção clássica de que o retorno de um investimento é proporcional ao risco. Essa palavra, “risco”, por sinal, sempre me incomodou. É usada a torto e a direito no mundo das finanças e às vezes sinto que quem usa nem sabe mais do que está falando.
Nós sabemos, por exemplo, que a volatilidade da renda variável pode frustrar o atendimento de necessidades ou desejos de consumo do investidor no curto prazo e que a renda fixa pode não atender às necessidades ou desejos de consumo do investidor no longo prazo devido à deterioração do poder de compra. Mas falar isso tudo gasta muitas calorias. Mais fácil dizer que ações têm mais risco no curto prazo e que renda fixa tem mais risco no longo prazo.
É um atalho e, nesse caso, a gente entende a mensagem. Mas quando dizem que as anomalias na hipótese do mercado eficiente representam a falha do modelo original em considerar outros tipos de risco, a coisa fica meio obscura. Eu mencionei que small cap e value stocks performam pior quando tudo vai mal. Essa covariância com estados ruins do mundo até pode ser chamada de risco independente, tudo bem. Mas e o fator profitability/qualidade? Comprar empresas lucrativas e sem dívida é mais arriscado? Cheguei a ler que esse fator se aplica quando duas empresas têm o mesmo preço, mas uma tem ROE maior, e que, então, para o mercado, a empresa mais lucrativa teria um risco maior porque do contrário estariam o mesmo preço. Achei forçado.
A outra vertente que tenta explicar os fatores é a comportamental. O mercado não é uma entidade etérea, mas o agregado de investidores, que são pessoas, que têm medos e preferências. Se os investidores gostam de large cap growth stocks, que aparecem na televisão e que todo mundo conhece, jogam pra cima o preço delas, o que reduz o retorno em relação a small cap value, por exemplo, que ninguém conhece nem quer conhecer. Se acreditamos nisso, então não necessariamente assumiríamos um risco maior ou diferente ao incorporar os fatores à carteira. Estaríamos apenas explorando os vieses comportamentais dos outros investidores.
No campo das small caps, aliás, quando os pesquisadores tentaram replicar o resultado do estudo original, depois de inúmeras atualizações e correções no database, notaram que o prêmio de risco praticamente desapareceu. Acontece que, no universo das empresas pequenas, existe muito lixo que carrega pra baixo a performance da categoria.
However, looking broadly across decades of returns in global markets, we observe that small cap growth stocks with low profitability tend to underperform over the long run. And for good reason. From a valuation perspective, paying a lot for a company that earns little profit is a good sign of a very low discount rate, and therefore a low expected investor return. Research has shown that when examining stocks by their size, price-to-book, and profitability characteristics, small cap stocks with the lowest profitability and highest relative price have experienced the lowest historical returns.1 By seeking to avoid these stocks, one can improve the expected return of a small cap portfolio. Fonte:
The Small Caps That May Be Holding Back Your Portfolio’s Returns | DimensionalSmall cap growth stocks with low profitability parece uma contradição em termos, afinal, como vai ser growth se é low profitability? Mas o que eles quiseram dizer é “caras”. São aquelas empresas pequenas que nunca deram lucro mas que os investidores acham que podem ser a próxima Amazon ou Microsoft e jogam o preço lá em cima.
Sinto que por conta dessas a minha ideia do VT equal-weighted não daria certo. Ficaria muito overweight em empresas pequenas, como é de se esperar de quem desvia da ponderação pelo valor de mercado, e ia coletar umas caçambas de lixo pra afundar a carteira.
Tirando o lixo, o prêmio de small caps parece retornar:
The answer to “Is there a size premium?” lies in measuring stock quality, or its opposite, “junk.” As defined in our earlier working paper, junk companies have poor profitability, stagnant growth, high risk and low payouts to investors. Junk stocks unsurprisingly trade at a discount while their high-quality counterparts — those firms that are profitable, growing, low risk and have high payouts to investors — as expected command a premium. The perhaps surprising result is that despite this discount and premium in pricing, quality stocks strongly and significantly outperform junk stocks. In our paper, we introduced the concept of a Quality-Minus-Junk (QMJ) factor that captured this phenomenon.The many formidable challenges to size all disappear with the introduction of the QMJ factor. It turns out that small stocks are quite “junky” versus their larger counterparts, and it is this exposure that is dampening their performance. Once you account for the QMJ exposure a large and significant size premium re-emerges.Fonte:
The Small-Firm Effect Is Real, and It's SpectacularEmpresas boas são mais caras do que empresas ruins, mas ainda assim têm retorno maior. Como a teoria do risco explicaria isso? E a teoria comportamental? Os investidores subestimam as empresas boas?
O ponto a que quero chegar é que, desviando dos fundos de índice padrão, pode ser possível capturar um prêmio
se você entende que esses fatores (anomalias na teoria do mercado eficiente) emergem em carteiras com muitos ativos. Não pode comprar meia dúzia de empresas pequenas de qualidade e achar que usou os fatores. E nem pode achar que o prêmio vem rápido ou mesmo que vai ter algum prêmio. Nada é garantido.
É claro que dá pra incorporar fatores por meio de etfs e, inclusive, muitos fazem isso. O mais comum é alocar num fundo small cap value, que é o outro jeito de excluir as small cap growth stocks. O que não dá é pra incorporá-los numa carteira de pesos iguais usando etfs. E se usar um fundo que mescla diferentes fatores, tipo small cap, value e quality, mesmo aceitando o peso do mercado, pode acabar pagando taxas de administração que anulam o prêmio (ver p. 12 a 15 no paper do Ben Felix).
Com uma carteira própria, é possível usar a alocação ingênua (1/n), com maior peso nas empresas menores (com mais potencial de crescimento), excluir os lixos caros que roubam o prêmio das small caps (quality minus junk), aportar no que está mais pra trás, reduzindo a concentração sem vender (e, pois, sem pagar imposto) e ao mesmo tempo aproveitando pra pescar as empresas quando estão mais baratas (value). Tudo isso sem pagar taxa de administração. Na fase de usufruto, pode também aproveitar as perdedoras pra minimizar a tributação ao realizar ganho de capital das vencedoras.
E quantas ações precisa pra estar diversificado?

Fonte:
https://ndvr.com/pdf/documents/journal/NDVR-HowManyStocksShouldYouOwn-November2022.pdfEsse estudo simulou 5000 carteiras de n stocks escolhidas aleatoriamente em pesos iguais e rebalanceadas mensalmente. Vejam que o investidor azarado com 10 stocks (linha azul) multiplicou 9x o patrimônio enquanto o azarado com 250 stocks multiplicou 17x. Achei altíssimo o retorno, mesmo na carteira concentrada. Pra terem um comparativo, o S&P 500 retornou 11x no período. O universo de stocks são as 1000 maiores por valor de mercado, o que provavelmente ajudou dada a escolha aleatória ingênua, já que não tem tanto lixo entre as empresas grandes. Essa distribuição também deve ter mitigado o impacto da bolha das ponto com.
Em todo caso, o que eu queria trazer mesmo é a diferença relativa dentro do estudo:
quase o dobro de patrimônio simplesmente aumentando o número de empresas.
Não existe um número certo, mas acredito que 250 ativos é uma boa meta. Pode acrescentar outras depois se encontrar coisa boa. A declaração de IR já vai estar cagada mesmo.
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Eu escrevi esse texto pra organizar os meus pensamentos sobre o assunto. Há muitos anos li um estudo do PISA dizendo que umas das melhores maneiras de internalizar informações novas é explicando pra outras pessoas. Aí está. Fico à disposição pra debater, clarificar algum ponto obscuro e mesmo ser corrigido se falei alguma besteira.
Abraços.