Fala pessoal, decidi compartilhar minha experiência com TDAH, burnout, medicamentos e consequências. Não é indicação de nada. Tirem suas próprias conclusões, mas só depois de ler até o final. Espero que possa ajudar alguém.
Eu frequento a terapia desde os 11 anos e só descobri que tinha TDA (sem o H) aos 35. Engraçado que apesar de eu ter tido muita dificuldade na escola (peguei recuperação da 3ª série ao final da faculdade) ninguém da minha família, terapeutas, professores, nunca suspeitou.
Davam dicas, tinha um médico que falava para os meus pais que eu era um "Late Bloomer", tive que fazer psicopedagoga no ginásio para aprender a estudar, porque eu simplesmente não sabia como, na terceira série a coordenadora da escola queria me colocar de volta na segunda (no meio do ano), etc...
Parece que quando eu saí da faculdade as coisas começaram a se alinhar. Encontrei algo pelo qual sou apaixonado e faço isso até hoje com muito sucesso. No entanto essa performance no trabalho veio às altas custas, 12 a 14 horas de trabalho por dia, ficar mergulhado em burnout por anos a fio sem perceber (outra coisa que o TDHA costuma ter é a dificuldade em perceber o que está acontecendo internamente), ganho de 70 kilos, isolamento sONcial (uma década antes da pandemia kkkkkk), etc... Ou seja, uma vida totalmente desequilibrada que levei dos 25 aos 36 anos.
O que mudou? Fui diagnosticado com TDA.
Na época estava morando em Los Angeles trabalhando em um estúdio. Estava realizado profissionalmente, mas todo o resto em frangalhos. Quando vim visitar minha família no fim de ano, minha irmã que é psicóloga me pediu para visitar um psiquiatra pois ela achou que eu deveria estar com depressão.
Na primeira consulta o médico me disse que eu tinha TDA. Me receitou Venvanse. No primeiro dia com o medicamento me senti The King of The World igual o Di Caprio no Titanic. Parecia que o mundo era o meu playground. É um remédio muito poderoso.
Nas semanas seguintes voltei para os EUA e o que eu demorava de 12 a 14 horas para fazer muito bem feito, eu comecei a fazer em 7 a 8 horas melhor ainda. Com isso, após o trabalho comecei a ter tempo e me reconectei ao Yoga (que é muito rico em LA) praticando todos os dias após os trabalhos e de Sábado e Domingo também. Perdi 50 kilos em 6 meses, me sentia mais aberto para conversar com as pessoas e tudo tinha um efeito prazeroso na vida, inclusive na alimentação, me sentia saciado quando comia, e não um buraco sem fundo.
Por outro lado, comecei a ter sonhos em que o remédio acabava e eu não tinha como comprar mais. A ter pensamento paranoicos, que no início não incomodavam muito, mas depois foram evoluindo para algo persecutório e pesado. Pensamentos muito acelerado, difíceis de controlar. Eu não tinha ideia que de que era o remédio que estava fazendo isso, apesar de hoje ser extremamente óbvio. Engraçado que meu psicólogo e meu psiquiatra não levantaram nenhuma bandeira a respeito disso apesar de eu falar constantemente dos conteúdos das paranoias (sem saber que eram paranoias).
Na metade do sexto mês aconteceu algo que vai me impactar para o resto da minha vida. Eu tive um surto psicótico achando que seria assassinado. No dia seguinte eu estava num avião para o Brasil para nunca mais voltar (enfim, hoje estou melhor, mas não tenho mais interesse em retornar).
Já no colo da família, nos meses seguintes, a insegurança e ecos do surto me mergulharam (agora sim) numa depressão colossal. Fiquei um ano sem trabalhar, e achava que nunca mais iria conseguir fazer nada na vida. Nos últimos 6 meses de depressão, quando comecei a me recuperar, meu apetite aumentou desgraçadamente. Ganhei os 50 kilos de volta, passava 12 horas por dia assistindo TV e comendo, fugindo de algo inominável que vivia dentro de mim.
Claro, estava no segundo psiquiatra, pois tinha perdido totalmente a confiança no primeiro, e este me ajudou bastante a sair da depressão.
Quando comecei a me sentir mais eu, voltei a trabalhar, mas algo estava diferente. Aquele sangue nos olhos que eu tinha antes de tudo isso começar, desapareceu.
Eu estava numa situação profissional extremamente favorável, freelando para estúdios no mundo inteiro e com o nome que havia construído no modo "sangue nos olhos" anteriormente, sem conseguir entregar o que eu costumava entregar antes do surto, nem em qualidade e nem em quantidade.
Tenho sobrevivido profissionalmente e sinto que o mercado em que trabalho como um todo ainda não percebeu que eu não sou mais aquela pessoa. Mas ficou evidente para alguns clientes.
Se algo sobreviveu nessa estória toda foi o meu TDAH que não posso tratar pelo tipo da crise que tive. Estou nessa batalha até hoje tentando encontrar o equilíbrio de outras formas, e as vezes até mesmo me falta motivação para fazer o básico: comer saudável, me higienizar, sair da cama antes das duas da tarde, parar com o vício televisivo, trabalhar o mínimo suficiente para entregar algo apresentável.
Às vezes sonho que o Venvanse de verdade está dentro de mim. Não precisa de pílula. Mas ainda não descobri como desbloquear esse potencial. Não desisti, estou longe disso, estou no quarto Psiquiatra e começando com uma nova psicóloga. Às vezes bate uma inspiração e tenho um dia em que consigo navegar e fazer o que preciso para ficar bem. Essas ocasiões me dão esperança de que vai chegar um momento em que conseguirei sustentar essa qualidade de estar por mais do que um dia, claro, aceitando que não dá pra se sentir ótimo 100% do tempo.
Também estou aprendendo a desacelerar, e inclusive algo que me ajuda muito é o método Bastter, não apenas para investir sem ansiedade como para fazer escolhas mais maduras e esparramar menos as minhas espectativas para as outras pessoas.
Até hoje quero voltar a tomar Venvanse, não por vício, mas pq eu sinto que teria mais consciência dos pensamentos persecutórios antes que eles acelerassem e crescessem para algo incontrolável. Mas sei que mesmo assim é um risco, mas tem outro risco que é a minha situação cardio-vascular e pré-diabetes que surgiram nos últimos exames.
Meu médico atual prefere que eu persiga outras alternativas, e concordo com ele (medicamento seria depois de esgotar todas as possibilidades menos agressivas), muitas delas que são simples e práticas, como trabalhar fora de casa em um co-working. Dessa forma eu sONcializo mais, e fico longe da cama sem a constante tentação de fugir para o mundo dos sonhos. Ou viajar quando tiro folgas, para não ficar na TV em todos os meus tempos de descanso.
Se puder deixar alguma conclusão para vocês é que se cerquem de pessoas e profissionais empáticos que te ajudem a perceber sua atual condição emocional e psicológica. Especialmente se você for um tapado como eu. Não tente controlar a narrativa da sua condição mental para receber esse ou aquele remédio. Deixe o Psiquiatra e Psicólogo chegarem na conclusão que eles precisam chegar, no tempo que necessário.
O diagnóstico do primeiro médico foi confirmado pelos outros dois, mas o que atrapalhou foi a pressa, por estar no Brasil para o diagnóstico por apenas um mês, o médico não teve a oportunidade de me conhecer a fundo e ver que o TDAH não era o único problema que eu tinha. Traços paranóicos na minha personalidade teriam ficado evidentes depois de alguns meses de conversa.
Enfim, vou ficando por aqui. Tenho certeza que esse relato não é para todo mundo, mas se tiver uma pessoa que está passando por um momento de dificuldade e conseguir esclarecer algo através desse post, já fico feliz.
Também estou aberto para qualquer dica que vocês possam ter para me ajudar a sair dessa sinuca de bico em que me meti, de preferência sem remédios. hahaha
Grande abraço,
Mau